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Carf esclarece posição sobre configuração de grupo econômico em matéria previdenciária

Mera identidade de sócios, por si só, não caracteriza grupo econômico de fato

Nos últimos anos, a Receita Federal tem intensificado as autuações baseadas na responsabilidade solidária de empresas pertencentes a grupos econômicos, tornando a controvérsia envolvendo a configuração de grupo econômico para fins de responsabilidade solidária em matéria de contribuições previdenciárias um dos temas mais debatidos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A responsabilidade solidária em matéria previdenciária encontra amparo no artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), que prevê solidariedade quando houver interesse comum na situação que constitua o fato gerador, e no artigo 30, inciso IX, da Lei 8.212/1991, que estabelece a responsabilidade solidária entre empresas integrantes de um mesmo grupo econômico, ainda que sem formalização societária.

Importante destacar que, após a reforma trabalhista de 2017, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) passou a prever expressamente que a mera identidade de sócios não caracteriza grupo econômico, sendo imprescindível “a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.

Por sua vez, a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976) estabelece que o grupo econômico somente se configura quando as sociedades “se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns”.

O debate ganhou novos contornos após a aprovação da Súmula Carf 210 em 26.9.2024, com a seguinte redação: “As empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem solidariamente pelo cumprimento das obrigações previstas na legislação previdenciária, nos termos do art. 30, inciso IX, da Lei 8.212/1991, c/c o art. 124, inciso II, do CTN, sem necessidade de o fisco demonstrar o interesse comum a que alude o art. 124, inciso I, do CTN”.

Ocorre que, ao contrário do que enuncia a Súmula 210 do Carf, o simples fato de participar de grupo econômico é insuficiente para ensejar a responsabilidade tributária, pois o artigo 128 do CTN expressamente requer a vinculação do terceiro ao fato gerador da obrigação tributária. Essa foi, inclusive, a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 13 da Repercussão Geral, no qual se assentou a necessidade de vínculo material entre o responsável solidário e o inadimplemento do contribuinte.

Nessa mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou entendimento de que a responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico ocorre somente quando elas realizam conjuntamente a situação configuradora do fato gerador ou quando há evidente confusão patrimonial entre elas.

Não obstante a clareza dos precedentes dos Tribunais Superiores, no âmbito do Carf ainda persistiam divergências, com acórdãos recentes que ampliavam indevidamente o conceito e mantiveram a responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico mesmo na ausência de comprovação de que essas empresas tivessem realizado conjuntamente a situação configuradora do fato gerador.

No Acórdão 2402-011.910, por exemplo, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção de Julgamento entendeu por maioria que estava configurada responsabilidade solidária de empresas do mesmo grupo econômico pelo simples fato de possuírem composições societárias semelhantes. No mesmo sentido, observa-se posicionamento da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção de Julgamento.

Felizmente, ao julgar o Processo Administrativo 13603.722338/2015-63, o Carf analisou o tema com maior profundidade e esclareceu sua posição acerca do assunto, proferindo acórdão favorável aos contribuintes por unanimidade. Nesse importante precedente, a 4ª Turma Extraordinária da 2ª Seção analisou minuciosamente os requisitos para a caracterização de grupo econômico de fato, ressaltando que a mera identidade de sócios é insuficiente para configurar grupo econômico e, por conseguinte, não enseja responsabilidade solidária entre as empresas, conforme dispõe inclusive o artigo 275, § 2º, da Instrução Normativa RFB 2.110/2022.

O conselheiro relator Leonam Rocha de Medeiros afastou a responsabilidade solidária entre as empresas autuadas ao constatar que a fiscalização não logrou êxito em demonstrar a existência de fatos concretos de interesse integrado, comunhão de interesses e/ou atuação conjunta entre as empresas.

O relator destacou que, reforçando que o ônus da prova recai sobre a fiscalização, não restou evidenciada “uma combinação de recursos, um esforço conjunto, ou uma atuação conjunta, a realização de práticas comuns ou prática conjunta do fato gerador ou, ainda, a verificação de confusão patrimonial, fraude, simulação, conluio, ou planejamento tributário abusivo, violação da lei, compartilhamentos ou suporte administrativo, patrimonial, de pessoal e/ou econômico que gere confusão de identidades, conflito de interesses e/ou de patrimônio”.

Dessa forma, restou claro que não basta a mera constatação de um conjunto de empresas com direção, controle e administração exercidos por uma mesma pessoa para a configuração de grupo econômico e consequente responsabilidade solidária em matéria de contribuições previdenciárias.

Portanto, o referido acórdão representa um importante avanço na jurisprudência administrativa do Carf no que concerne ao esclarecimento dos requisitos para a configuração de grupo econômico e consequente responsabilidade solidária de empresas em matéria previdenciária, contribuindo para coibir a aplicação genérica e indevida do conceito por parte do fisco e garantindo maior segurança jurídica aos contribuintes.